JBook Review #2: A Morte da Luz – o 1º romance de George R.R Martin

Antes de As Crônicas de Gelo e Fogo (os livros que deram origem à serie de TV Game of Thrones) houve A Morte da Luz. Bem antes.

O livro é de 1977. Uma época em que o autor George R. R Martin ainda se aventurava com suas primeiras obras, em um gênero diverso da fantasia medieval: contos de ficção científica. No entanto, apesar da data que saiu originalmente, esse livro pode ser considerado um lançamento. Foi publicado aqui no Brasil apenas esse ano, agora em 2012. Mérito da Editora Leya, que soube pegar carona no sucesso da série.

A capa, tal qual nos romances do escritor previamente publicados, é mais uma vez trabalho do talentoso Marc Simonetti.

 Capa da 1ª edição de 1977 (Psicodelia total!) e a versão nacional de 2012.

Nesse trabalho Martin já demonstra sinal da imaginação monstruosa que permitiu criar um mundo tão rico e vivo como o continente de Westeros. A história se passa em um cenário futurístico, onde várias civilizações compartilham o universo. Somos introduzidos ao exótico Worlon, um planeta errante que vaga pelo espaço sideral, sem estar preso numa órbita fixa.

O planeta acaba cruzando um complexo sistema solar, formado por várias estrelas, conhecido (entre outros nomes) como “Coroa do Inferno”. Durante os anos que o planeta atravessa essa região do espaço, ele torna-se capaz de abrigar vida. Worlon é então colonizada por diversos povos, cada qual construindo sua própria cidade no lugar. Um grande festival é organizado entre elas todo ano.

Mas isso também foi muitos anos antes da história começar (aliás, o título original que Martin havia concebido para o romance era “Depois do Festival”) . Quando chegamos ao planeta, junto com o protagonista Dirk T’Larien, o festival foi encerrado há um bom tempo, pois Worlon se afasta cada vez mais das estrelas e esfria a cada ano. O que foi deixado para trás foram imensas infra-estruturas turísticas (cada cidade representado a cultura do povo que a construiu), um ecossistema bizarro (resultado de animais e plantas trazidas pelos colonos de diferentes cantos das galáxias) e alguns poucos habitantes: cientistas, bandidos e qualquer outro tipo de pessoa desesperada ou louca o bastante para residir em um lugar que está morrendo.

T’Larien veio para Worlon atendendo o que interpreta ser um pedido de ajuda de Gwen Delano, sua ex-namorada e paixonite dos tempos de juventude. Uma mulher que conheceu em Avalon, um planeta de filósofos e cientistas. Ele descobre que Gwen agora reside em Worlon, onde trabalha em pesquisas como bióloga, e está casada. Com dois homens.

Ou quase isso.

Gwen está envolvida com kavalarianos, uma raça militarista e com um complexo código de honra que é explorado durante o livro inteiro. Na cultura kavalariana um laço mais importante que amor ou amizade é o de “companheiros de caça”, conhecidos como teyn. Devido ao numero reduzido de mulheres no planeta de origem dos kavalarianos, elas são repartidas entre os teyn, assumindo o papel tradicional de esposas-escravas, conhecidas como cro-betheyn.

Apesar dessa cultura machista o homem por quem Gwen se apaixonou é Jaan Vikary, um historiador liberal que rejeita e contesta muitos dos costumes de sua própria terra, para tristeza de seu teyn, um pouco mais tradicional, o guerreiro fanfarrão Janacek Garse. Ambos vivem com a pesquisadora no planeta e, é implicado, seu relacionamento não é dos melhores.

Capa antiga da Baen Books: Garse, Vikary e  Gwen. Lembra aquele velho ditado…

Até aqui alguém pode ser perguntar se essa história não é apenas um melodrama e qual a diferença entre esse livro e Crepúsculo: mas não se enganem. Em A morte da Luz os relacionamentos entre os personagens servem para ajudar você a conhecer o universo ficcional. Worlon é um cenário rico e assombroso, com paisagens e lugares verdadeiramente curiososos. (Vale destacar a fantasmagórica Kryne Lamiya, uma cidade tecnológica que toca música, canalizando o vento que sopra entre as montanhas.)

Ao mesmo tempo, são bons personagens, bem construídos e não meros pretextos narrativos.

Isso nos leva à, talvez, os dos maiores defeitos de A Morte da Luz: narrativa e melancolia.

Capa da Ediciones Gigamesh: Vikary, Gwen e mais #CrepúsculoFeelings

Não que eu acredite verdadeiramente que exista algum problema na maneira que Martin conta suas histórias (muito pelo contrário), mas o livro começa num ritmo que algumas pessoas podem considerar lento e, além disso, o uso de múltiplos termos e jargões desse universo de ficção científica podem afugentar um leitor menos enturmado com o gênero.

O autor mergulha fundo na fantasia e apresenta um mundo tão detalhado e com tantas culturas elaboradas que pode ser difícil fazer a ponte com a nossa realidade, de imediato. O universo vai sendo explicado aos poucos e quem quiser entender tudo de cara pode se sentir frustrado.

Um glossário,que foicolocado no final do livro, serve como uma boa ajuda para lidar com tantos termos estranhos. Porém, alguns nomes de planetas, povos, cidades e naves não ajudam na imersão. Enquanto algumas traduções para o português ficaram bem legais (uma estrela apelidada “Satã Gordo”? Uma nave chamada “Puta Sonhadora”?How cool is that?!) outros beiram a cacofonia.

Temos como exemplos o “Grupo Jadeferro” (Já-de-Ferro!) e o planeta “Tober-no-véu” (Toba-no-veu!?). E, porque não,“ESTAROCHA” possivelmente o nome de planeta mais auto-depreciativo jamais criado!

Não são traduções mal feitas, mas penso que deixar em inglês em alguns casos soaria melhor. ( Como a cidade “Riverrun” de  As Crônicas de Gelo e Fogo que, ao meu ver, foi traduzida para uma sem-graça “Correrio”.)

Outra característica dessa história é que ela não é exatamente algo que alguém vai ler para relaxar: estamos falando de um mundo moribundo, do relacionamento entre ex-amantes; e entre marido, esposa e co-marido. Todos os personagens estão infelizes, atormentados e perdidos na vida e se você já ouviu falar desse autor sabe que ele costuma fugir do “não se preocupe, tudo vai dar certo no final.”

Apesar disso, se você é fã de ficção científica, se sente atraído por esse tipo de história, ou simplesmente é corajoso e consegue superar essas barreiras inicias, A Morte da Luz é excelente. Quando o livro chega aos seus momentos finais, repletos de ação e situações tensas, dificilmente dá vontade de parar de ler até a última página.

Outra capa antiga, da Millennium Books: em AMdL a ação demora um pouquinho para chegar, mas chega!

Para quem aprecia universos ficcionais e personagens magistralmente construídos; e muita, muita tristeza, esse é um bom livro!

G.R.R Martin. A Morte da Luz. Editora Leya. R$ 27,80.

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Davide Di Benedetto
Davide Di Benedetto
Sofre de dependência química de café e podcasts. Graduado em História pela UEMG, especializado em Filosofia pela UFMG e nerd entusiasta de literatura por conta própria. É também o "analista oficial" da série @LeddHQ - www.leddhq.com.br

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