Em um mundo que caminha a passos largos rumo ao descarte — de objetos, de ideias, de pessoas —, o Teatro Diadokai faz o caminho inverso. Reestreando em Belo Horizonte a peça O amor possível, o grupo propõe um tempo outro, mais lento e sensível, para contar a história de Cipriano Algor, o oleiro que, aos 64 anos, reencontra o amor, a amizade e uma forma de continuar existindo em meio ao colapso do que conhecia. Inspirado no romance A Caverna, de José Saramago, o espetáculo solo interpretado por Priscilla Duarte circula por centros culturais e instituições de longa permanência para idosos, reafirmando o teatro como espaço de escuta, memória e renovação.
A primeira apresentação acontece no dia 23 de maio (sexta-feira), às 19h30, no Centro Cultural Jardim Guanabara, com entrada gratuita e interpretação em LIBRAS. As demais datas serão divulgadas pelo perfil do grupo no Instagram (@teatrodiadokai). A proposta é descentralizar o acesso à arte, priorizando regiões periféricas e públicos com menor presença nas políticas culturais, como o idoso.
Priscilla Duarte vive Cipriano e todos os demais personagens da trama — um viúvo, uma vizinha, um cachorro, um mundo em transformação. Ela também assume o papel de narradora. A simplicidade da encenação, com pouquíssimos objetos em cena e o uso de um único figurino (um avental de ceramista), cria uma atmosfera de intimidade e cumplicidade com o público. Cada elemento é essencial. Nada sobra. Nada falta.
Com dramaturgia refinada e direção dividida com Ricardo Gomes — seu parceiro de cena e de vida —, O amor possível não apenas adapta Saramago, mas dialoga com sua filosofia. Em vez de amores idealizados ou romances apoteóticos, a peça fala de afetos possíveis, nascidos do cotidiano, da dor e da delicadeza. “O espetáculo oferece uma possibilidade de desaceleração, um convite para sair da caverna contemporânea e se reconhecer no outro”, explica Priscilla.
Desde sua estreia, a montagem percorre diferentes territórios: do Galpão Cine Horto, em Belo Horizonte, a comunidades quilombolas como a de Olaria, em Cônego Marinho, passando por cidades como Januária, Lagoa Santa e Pedro Leopoldo. Além das apresentações, oficinas gratuitas para idosos serão oferecidas em junho, proporcionando uma vivência teatral a partir das memórias e experiências de vida dos participantes.
O projeto é viabilizado pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte e dá continuidade a uma trajetória artística marcada pelo rigor e pela generosidade. Fundado em 1996 por Priscilla Duarte e Ricardo Gomes, o Teatro Diadokai carrega no nome — derivado do grego diadokhé — a ideia de “passar para a mão do outro”. Ao longo de quase 30 anos, o grupo construiu sua identidade sem sede fixa, cruzando continentes e culturas, unindo referências do teatro-dança clássico indiano, do Yoga e da tradição teatral europeia.
Ambos formados em Artes Cênicas, Priscilla e Ricardo iniciaram sua jornada artística na Itália, junto ao Teatro Tascabile di Bergamo, grupo referência no cruzamento entre as artes cênicas do Oriente e do Ocidente. De lá para cá, colecionam apresentações em teatros, praças, ruas e parques ao redor do mundo. Atualmente, Priscilla é professora substituta da UFOP, enquanto Ricardo atua como professor associado e coordenador do Arquivo da Memória Intercultural das Artes da Cena na mesma instituição.
Em O amor possível, todo esse percurso se condensa em uma obra que é, ao mesmo tempo, intelectual e emocional, delicada e potente. Mais do que contar uma história, o espetáculo oferece presença. Convida o público a parar, escutar, se reconhecer e, quem sabe, reencontrar algum amor — por si, pelo outro, pela vida.


SERVIÇO
Espetáculo: O amor possível (solo de Priscilla Duarte)
Data: 23/5 (sexta-feira)
Horário: 19h30
Local: Centro Cultural Jardim Guanabara — Rua João Álvares Cabral, 277, Jardim Guanabara, BH
Entrada: Gratuita (retirada de ingressos na bilheteria uma hora antes)
Mais informações: @teatrodiadokai no Instagram